23.11.06

voltei para contar uma coisa

Em uma lista de discussão de que participo, chegaram algumas mensagens criticando o povo brasileiro por ser burro, por aceitar e fazer piada dos políticos que roubam seu dinheiro, e, numa delas, o sujeito dizia que esse ano não daria panetone aos porteiros, pois o povo precisa aprender uma lição. Em outras, as pessoas diziam que agora elas antes de dar esmolas perguntavam em quem o pedinte votou.

Bom, eu não aguentei e respondi:

Eu não costumo dar esmola pra ninguém, mas quando tenho oportunidade procuro dar comida pra quem tem fome e roupa pra quem tem frio. Panetone não mata a fome de ninguém e eu vejo mais como uma alternativa à “caixinha” de fim de ano do que qualquer outra coisa. E o que é a caixinha de fim de ano senão uma atitude “de bom tom”, o que significa dizer que é o passe para não sermos mal servidos no próximo ano (mais ou menos como o dinheiro do flanelinha que “guarda” o carro na rua: na verdade ali você está pagando para que não risquem o seu carro; ou, no caso da caixinha, para que o seu entregador não jogue o jornal no capô do carro ou na poça d´água, ou, ainda, para que o seu porteiro não misture a sua correspondência com a do vizinho...)

Quando eu vou ao estádio ver jogos do meu time, tetracampeão brasileiro de futebol e tricampeão mundial, me divirto só de ver os flanelinhas usando a camisa tricolor. Será possível que cada flanelinha só trabalha em jogo do seu time de coração? Claro que não, senão em dia de jogo do Corinthians ia ter flanelinha guardando carro até no Arouche... (ou não, afinal corinthiano que é corinthiano vai pro Pacaembu de busão).

Brincadeiras preconceituosas à parte, eu estou tentando dizer, ou raciocinar, talvez para tentar entender o que está acontecendo no nosso país hoje. A maior parte da lista viveu a ditadura e o processo de redemocratização. Eu não vivi, mas sempre procurei me informar. Sei que de vez em quando, na hora da revolta e da indignação, tem gente que solta um “o Brasil precisava era de outra ditadura, naquele tempo pelo menos não tinha essa criminalidade”, ou coisas do gênero. Eu entendo, também já falei coisas do tipo “o Oriente Médio só resolve quando jogar uma bomba e matar todo mundo”. Mas, assim como eu falei da boca pra fora, prefiro acreditar que ninguém se arrepende de ter desejado a saída dos militares do poder.

E não é nem o caso de entrar aqui no mérito das cagadas (desculpa mãe) que os militares fizeram com o nosso sistema educacional, com a nossa economia, etc etc. Me refiro mesmo à DEMOCRACIA, que eu acho que aos poucos tem deixado de ser só uma idéia no papel, para amadurecer e ser exercida cada vez mais e melhor pelo brasileiro.

Melhor não porque foi eleito o meu candidato. Deixa ver se me faço entender:

O povão, vamos chamar assim, sempre acreditou que os seus patrões, que seria a classe média e não a elite, sabiam o que era bom para eles. Era muito mais fácil acreditar que o Seu Fulano, que estudou, que ganha pra pagar o meu salário, que lê todo dia aquele jornalzão, inclusive o caderno de economia que eu não entendo nada, podia escolher um bom deputado pra eu votar, assim como a Dona Sicrana deve saber se é bom ou não a gente proibir o comércio de armas, afinal ela é tão bem informada né...

Só que aí, depois que o Lula foi eleito em 2002, provavelmente porque o Dotô Beltrano tava tão p... da vida com o FHC que foi fácil ele se iludir com a propaganda feita pelo Duda Mendonça, aconteceu toda essa pouca vergonha, nunca se falou tanto em roubalheira nesse país...

Pois é, nunca se falou tanto...

Enfim, o povão, aliás, o povo brasileiro, que “é trouxa e faz piada quando sacaneiam e roubam o seu dinheiro”, parou e pensou: “ah eu não acredito que o Lula fez isso com a gente... ou até fez viu, mas poxa vida, quem não fez?”. É, porque o povão não é assim burro como o Seu Fulano falou esses dias no jantar... O povão sabe que antes também botaram a mão no dinheirinho dele, e vamos lá pessoal, o povão sabe sim reconhecer os exageros raivosos do Jornal Nacional...

Aí, otário que é, o povão concluiu seu raciocínio: “opa, mas peraí, a minha vida tem melhorado.

ladrão por ladrão, eu me identifico mais com o Lula. Ele fala a minha língua, ele tem a minha cara.” E então ele pensou na vizinha que se beneficiou do microcrédito, da prima que se beneficiou do ProUni, daquele papo de comprar computador popular a crédito, do Bolsa Família que a cunhada da tia dela recebe...

Ou seja, o povão ficou mais independente na hora de tomar sua decisão. Ele amadureceu. E agora sim, ou melhor, daqui a um tempo, talvez a gente possa saber se é verdade que “o povo brasileiro não sabe votar”.

A democracia, “duela a quien duela”, como diria nosso ex-presidente, eleito pelo povo brasileiro, Fernando Collor, é assim: todo mundo tem direito de escolher para quem vai dar seu voto, de acordo com a sua consciência e sem ter que dar satisfação a ninguém. Aliás, tá lá na nossa Constituição: o voto é secreto. É cláusula pétrea, ou seja, ninguém pode mudar isso aí, só se fizerem outra constituição. É direito fundamental, não pode ser ignorado, negado, nada disso.

Mas enfim... pobre não tem mesmo direitos no Brasil né... por isso, para garantir o panetone, ele tem que aprender com o flanelinha do Morumbi: tem que vestir a camisa do time do patrão!